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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um par de Namorados

Achavam-se lado a lado, em uma caixa de brinquedos, um pião e uma bola. Por que não havemos de nos casar? Perguntou o pião, pois que teremos de viver sempre juntos... Mas a bola, que estava toda recoberta de um belo marroquim, e não era menos orgulhosa que uma moça de alta estirpe, nem se deu o trabalho de responder.
No dia seguinte o menino, dono dos brinquedos, lembrou-se de pintar o pião de vermelho e amarelo, e ainda o adornou com uma ponta de latão, bem novinha. Quando o pião girava, era só um brilhar de cores magníficas. Olha para mim, dizia ele à bola. Que dizes agora? Não vamos nos casar? Somos feitos um para o outro: tu saltas, eu danço. Quem poderia ser mais feliz do que nós?
Que idéia! Parece-te isso? Não sabes que meus pais eram soberbas pantufas de marroquim, e que meu corpo é de cortiça espanhola? Pois sim, pois sim, replicou o pião, mas eu também olho que sou todo de cedro! O autor de meus dias não é mais nem menos que o prefeito da cidade em pessoa. Nas horas de lazer ele se diverte em tornear toda a espécie de coisas bonitas, e eu sou a sua obra-prima. È mesmo verdade o que dizes? Perguntou a bola, já mais adocicada. Nunca mais menino nenhum me dê corda se estou mentindo! Tens muita habilidade para te fazeres valer. Mas isso é impossível. Estou já mais ou menos prometida a um lindo pássaro. Cada vez que vôo pelos ares, ele espicha a cabeça para fora do ninho e me faz uma declaração de amor. Cá dentro, prometi a mim mesma casar com ele, já há muito tempo somos meio noivos. Não posso, portanto aceitar os teus galanteios, mas prometo que jamais o esquecerei. Já é alguma coisa, sem dúvida suspirou o pesaroso pião, mas isso não basta para me consolar. Foram as ultimas palavras que trocaram. No dia seguinte o menino pegou na bola e atirou-a ao ar. Ela voava como um passarinho. Da nona vez que saltou ficou pelo caminho: Ninguém a viu mais. O menino procurou-a por todos os lados, e a bola tinha desaparecido. Bem sei onde ela está, disse o pião suspirando. Há esta hora já estão casados! E quanto mais pensava nisso mais sofria. Nunca sentira tanto amor pela bola, como agora, que não podia mais vê-la. E seu maior desgosto era saber que ela casara com outro. Entretanto, continuava o pião a dançar e a fazer ronrom. Mas pensava sempre na bola, que em sua imaginação parecia cada vez mais encantadora. Afinal aquilo veio a acabar no que se chama uma paixão antiga. O pião já não era mais moço. Um belo dia alguém dourou-no todo, para algum novo menino. Jamais ele se vira tão brilhante. Era lindo vê-lo girar. Ah! Se a bola tivesse podido vê-lo agora... De repente topa com uma pedra e salta longe. E adeus, pião!Procuraram-no por toda parte. Onde tinha ido parar o pião? Na cesta de lixo, entre a poeira, as cascas de batatas e cebolas. Entrei bem, pensou o pião consigo mesmo. E agora que vai ser dos meus belos dourados? Ah! E quem é essa gentalha que me cerca? Olhou em volta e avistou um talo de couve muito feio e uma coisinha redonda que parecia uma batata velha, era uma bola, que passara anos e anos na goteira do telhado e estava ainda toda encharcada da água da chuva. Louvado seja Deus! Disse ela quando viu o pião dourado. Ora afinal encontro alguém da minha categoria, com quem poderei conversar. Disse a bola, sou feita de cortiça de marroquim, e quem me coseu foi uma bela moça. Ainda que não pareça, estava a ponto de casar com um lindo pássaro, quando fui lançada em uma goteira de telhado e lá fiquei cinco anos. Ai! Como a chuva me deixou inchada, que feia fiquei. O pião nada disse. Pensava no seu antigo amor, e viu que aquele objeto que tanto o inflamara nos anos de sua mocidade, era a bela bola feita de marroquim. Chegou a criada da casa que foi despejar o lixo. Olá! Exclamou ela, vendo o pião dourado. Pegou nele e levou-o às crianças. E o pião recobrou a antiga glória. Quanto à bola, foi atirada num aterro sanitário. O pião nunca mais falou na sua velha paixão. Quando viu a bola inchada da água da chuva, toda enrugada e horrorosa fingiu que não a reconhecia.

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